Conheça o professor que ensina adolescentes a não serem machistas
Carlos André dá aulas sobre mulheres inspiradoras para alunos do Sol Nascente que, neste ano, produzirão livro sobre heroínas locais
Morador do Sol Nascente, comunidade considerada uma das maiores favelas da América Latina, Carlos André, 37 anos, cresceu realizando trabalhos braçais. Foi servente de pedreiro até entrar para o Exército. Foi lá que ouviu, pela primeira vez, sobre a importância da educação na formação do cidadão. “Foi plantada uma sementinha em mim, e fui regando”, conta.
Carlos decidiu estudar. Matriculou-se em uma faculdade particular para cursar história — achou que seria rápido e logo estaria formado. Não foi o caso. Dois anos depois, precisou trancar as aulas por falta de dinheiro. O diploma viria após sete anos de muito sacrifício. “Nós estudamos muito e dormimos pouco. Foi um período complicado. E falo ‘nós’ porque o apoio da minha esposa e da minha irmã foram fundamentais. Decidi minha profissão por conta de um dos meus mestres: me apaixonei pelo jeito, dinamismo e forma objetiva de mostrar o conteúdo. Fui conquistado”, diz.
O próximo passo foi passar no concurso da Secretaria de Educação e, uma vez aprovado, o agora professor foi lotado em escolas em Ceilândia. Mas o que ele queria mesmo era dar aulas para a sua “quebrada”: o Sol Nascente. Em 2017, foi finalmente transferido e começou a trabalhar com adolescentes do oitavo ano — hoje, ensina cerca de 300 jovens, com idades entre 13 e 14 anos.
Em 2018, um estagiário o indicou para fazer parte do projeto Mulheres Inspiradoras, idealizado pela professora brasiliense Gina Vieira. “Eu conheci o projeto quando ela foi no programa do Pedro Bial, e como fui indicado, só soube depois que há um processo de seleção para fazer o curso”, explica.
O projeto de Gina consiste em promover a valorização de figuras femininas. Os professores indicam livros escritos por mulheres e, depois das leituras, os estudantes devem pesquisar a história de figuras inspiradoras femininas que estejam próximas: mães, avós, tias, vizinhas, professoras. A partir da informação, do reconhecimento da luta, da força e da importância delas, a cultura machista é discutida, as meninas são empoderadas e os meninos incentivados a respeitá-las.
Carlos, que sempre gostou de apresentar personagens históricas femininas para os estudantes passou a aplicar o método do projeto em suas classes neste ano. E acrescentou uma novidade, juntos, os alunos vão produzir um livro com o perfil de oito mulheres importantes para a comunidade. “Imagina que legal se, no próximo ano, outros estudantes usarem os textos para aprender português, por exemplo. Algo produzido por pessoas que eles conhecem, próximo à nossa realidade”, conta o professor. O livro já tem nome: Elas do Sol.
Carlos conta que há duas reações quando apresenta o projeto às suas turmas: a maioria acha graça, mas, com o tempo, percebe que o assunto é sério. Alguns ficam incomodados. Um chegou a sair da sala. “Há uma necessidade muito grande de falar sobre mulheres e violência doméstica. E falar de mulher do Sol Nascente é discutir também racismo que, infelizmente, é muito presente na vida dos estudantes”, explica.
Segundo dados do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Ceilândia (onde fica, oficialmente, o Sol Nascente) é a região administrativa com maior incidência de violência doméstica do DF. Em 2018, foram 2.438 casos registrados na região: ameaça, injúria e lesão corporal lideram os inquéritos policiais. Cercado pelo assunto, o professor acredita que o tema precisa estar em sala de aula. “Preciso dar voz para combater”, afirma. A direção da escola também reconhece a necessidade de discutir o assunto e abraçou o projeto.
A dedicação de Carlos para disseminar a importância das mulheres foi apreendida dentro da própria casa. “Eu faço tudo isso pela minha mãe, Maria de Jesus. Uma mulher que sofreu muito, e eu fui testemunha da história dela. Ela sempre foi uma grande inspiração para mim. Passou por violência doméstica e institucional. Vejo a história dela refletida nos meus alunos, nas mães deles, nas professoras, nas vizinhas. É o que me dá energia”, conta.
Conheça o professor que ensina adolescentes a não serem machistas
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Morador do Sol Nascente, o professor fez questão de dar aulas para seus “irmãos”Igo Estrela/Metrópoles
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Responsável pelas turmas do oitavo ano, ele explica que é preciso aproximar o conteúdo da realidade do estudante. Trabalhar as histórias das mulheres da família tem esse objetivo Igo Estrela/Metrópoles
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O professor Carlos dá aulas de história e faz parte do projeto Mulheres Inspiradoras: no fim do ano, os alunos produzirão um livro sobre mulheres da comunidadeIgo Estrela/Metrópoles
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Morador do Sol Nascente, o professor fez questão de dar aulas para seus “irmãos”Igo Estrela/Metrópoles
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Responsável pelas turmas do oitavo ano, ele explica que é preciso aproximar o conteúdo da realidade do estudante. Trabalhar as histórias das mulheres da família tem esse objetivo Igo Estrela/Metrópoles
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O professor Carlos dá aulas de história e faz parte do projeto Mulheres Inspiradoras: no fim do ano, os alunos produzirão um livro sobre mulheres da comunidadeIgo Estrela/Metrópoles
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Morador do Sol Nascente, o professor fez questão de dar aulas para seus “irmãos”Igo Estrela/Metrópoles
Neste 2019, o Metrópoles inicia um projeto editorial para dar visibilidade às tragédias provocadas pela violência de gênero. As histórias de todas as vítimas de feminicídio do Distrito Federal serão contadas em perfis escritos por profissionais do sexo feminino (jornalistas, fotógrafas, artistas gráficas e cinegrafistas), com o propósito de aproximar as pessoas da trajetória de vida dessas mulheres.
O Elas por Elas propõe manter em pauta, durante todo o ano, o tema da violência contra a mulher para alertar a população e as autoridades sobre as graves consequências da cultura do machismo que persiste no país. Desde 1° de janeiro, um contador está em destaque na capa do portal para monitorar e ressaltar os casos de Maria da Penha registrados no DF. Mas nossa maior energia será despendida para humanizar as estatísticas frias, que dão uma dimensão da gravidade do problema, porém não alcançam o poder da empatia, o único capaz de interromper a indiferença diante dos pedidos de socorro de tantas brasileiras.
Fonte: METRÓPOLES