Aliada de Bolsonaro diz que valor da cadeirinha é irrisório comparado ao de um caixão

Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

A deputada federal Christiane de Souza Yared

Aliada do presidente Jair Bolsonaro, a deputada federal Christiane Yared (PL-PR) fez um dos discursos mais duros até agora contra o projeto de lei apresentado pelo governo que afrouxa punições nas regras de trânsito. Em discurso no plenário da Câmara na última quarta-feira, 5, ela criticou, principalmente, a suspensão de multas para quem não transportar crianças em cadeirinhas. “Quanto custa uma cadeirinha? Eu não sei o valor de uma cadeirinha, mas sei o valor de um terreno no cemitério. Eu sei quanto custa um caixão, eu paguei o caixão do meu filho. Eu sei quanto custa choro, flores”, disse Christiane. Seu filho, Gilmar Souza Yared, foi morto em 2009, após o carro do ex-deputado estadual José Carli Filho atingir o veículo em que estava. Na ocasião, exames apontaram que Carli Filho estava embriagado. Em entrevista ao Broadcast/Estadão, serviço de cobertura em tempo real do Grupo Estado, Christiane afirmou que Bolsonaro teve pressa em apresentar a proposta “no afã de mostrar que está fazendo alguma coisa”, mas disse que o presidente não fez isso “com a intenção de prejudicar a população brasileira”. Para ela, além da obrigatoriedade do uso da cadeirinha, ela defende que exames toxicológicos para motoristas profissionais possam ser feitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e afirma que é até favorável ao aumento de pontos na carteira de motorista, mas diz que é preciso fazer uma análise primeiro para saber qual aumento pode ser tolerado.

A senhora perdeu o seu filho em um acidente de carro e tem sua atuação política voltada para o combate à violência no trânsito. Como a senhora avalia o projeto encaminhado pelo presidente Jair Bolsonaro?

Sabemos que é uma promessa de campanha dele. O que sugerimos ao presidente é que daríamos a ele saídas para essas promessas que ele fez e que seriam viáveis para o País. Eu vi que houve uma pressa na apresentação desse projeto e ele não vai passar do jeito que está no Congresso porque nós, ali, estamos na defesa do trânsito mais seguro. Já temos, inclusive projetos apresentados, como os 40 pontos na carteira para profissionais da área – caminhoneiros, taxistas, motoristas de Uber, quem trabalha diretamente no trânsito, entregadores, caminhões de pequeno porte.

Então a senhora é a favor de aumentar pontos na carteira para os motoristas profissionais?

Sim. A gente vê, por exemplo, como motoristas de táxi que param para desembarcar e acabam sendo multados, e às vezes nem viram que pararam onde não poderia. Não são multas graves ou gravíssimas. São multas médias. Nós até sugerimos algumas mudanças para essa situação.

Mas para o condutor como nós, motoristas normais, estamos conversando para ver se a gente teria a possibilidade de aumentar um pouco essa pontuação. Nossa preocupação é realmente segurança. A preocupação em relação ao farol aceso durante o dia é importantíssimo. A gente viu aí uma redução de 15% das mortes nas estradas, nas rodovias no país, que é realmente um número significativo, em relação a quando não se havia obrigatoriedade do farol (aceso).

Quais outros pontos do projeto a senhora defende que sejam alterados?

Vemos com extrema preocupação a questão das cadeirinhas. Isso, para nós, foi motivo até de manifestação em plenário mostrando que o valor de uma cadeirinha é completamente irrisório se você for comparar a um terreno no cemitério, a um caixão, ao tempo de choro e flores.

Trouxemos essa realidade para dentro do plenário para mostrar que os valores desses dispositivos de segurança para crianças são valores mínimos, que a gente poderia até conseguir algumas reduções com isenções de impostos, projetos que já foram apresentados. Sem contar que há ONGs no Brasil inteiro que providenciam esses equipamentos para famílias que não têm possibilidade de comprar.

Também vemos com preocupação a questão dos dez anos para renovar uma habilitação. Às vezes, em questão de dois anos as pessoas podem ter um glaucoma, um prejuízo de visão sério e continuar dirigindo. No meu caso, o jovem que matou o meu filho teve a habilitação concedida aos 18. Quando ele fez a renovação estava com 23 anos, e quando fez 26 era um drogado. Ele tinha um problema sério com alcoolismo, tinha bebido quatro garrafas de vinho. Ele já tinha um histórico de pontos assustador na carteira e continuava dirigindo. Matou duas pessoas.

O presidente chegou a procurar a senhora ou outros parlamentares que atuam na mesma área para ouvi-los antes de apresentar o projeto?

Eu tive uma reunião com o ministro Tarcísio (de Freitas), da Infraestrutura, e mostrei a minha preocupação. Até porque eu já tinha ouvido falar sobre o projeto. Inclusive, comentei que eu gostaria de conversar com o presidente Bolsonaro porque, como estamos com essa bandeira há dez anos, eu até sugeri que eu poderia contribuir com o projeto para deixá-lo mais seguro para a sociedade. Mas, infelizmente, não consegui ter essa conversa com o presidente.

Mas agora, apresentado à Câmara, ele vai ter que passar pelas comissões. Estou lutando para pegar a relatoria porque, como relatora, eu posso apresentar algumas saídas para que o presidente fique bem.

Tenho certeza de que ele não fez isso com a intenção de prejudicar a população brasileira, mas num afã de tentar mostrar que tem muita coisa que pode ser resolvida. Infelizmente, com o que temos hoje no Brasil, não há educação para o trânsito, não tem fiscalização. Não temos nada em relação às tragédias de trânsito.

Um dos argumentos do presidente é de que existe uma “indústria da multa” no país e que as pessoas não precisariam necessariamente receber essas multas, elas poderiam receber advertências, algo no sentido mais educativo. Funciona?

Quanto à indústria da multa, eu dei uma sugestão porque fui relatora de um projeto, que está parado, para que as empresas sejam contratadas para prestar serviço e não para cobrança por multa aplicada. Então, a empresa seria contratada, ela presta um serviço por um tal valor, independente da quantidade de multas que ela apresenta. Temos infratores contumazes que continuam fingindo indiferença à multa que recebem, tanto é que tem carros aí com quase um milhão em multas. Porque é um infrator contumaz, esse não tem o que fazer com ele. Esse realmente tem que punir.

A senhora apoia o presidente Bolsonaro, é de sua base aliada. No momento em que ele apresenta um projeto como este, isso frustra de alguma forma o seu apoio?

Veja, o que ocorre é o seguinte: é como você ter um amigo que de repente não concorda ou não faz aquilo que você acredita. Se tem opinião, não vai perder a amizade ou o relacionamento por causa disso. Mas olha, não é bem assim. É o que nós estamos fazendo com o presidente.

Sabemos que é sua promessa de campanha, o que estamos mostrando é que não é bem assim, não é por esse caminho. Temos especialistas na Casa. Se nós legislamos para um país melhor, a nossa preocupação é defender as pessoas de bem do País e não os assassinos, os vagabundos sem vergonha que não estão nem aí para o País. Nossa voz dentro do Congresso Nacional é a voz das pessoas de bem.

O projeto tem condições de ser aprovado do jeito que está, sem mudanças?

É uma oportunidade de levarmos esse assunto a toda a sociedade brasileira e fazer com que as pessoas acordem para essa realidade. O inimigo número um que o Brasil tem, em mortes de crianças, é o trânsito. As famílias insistem em não levar seus filhos nos dispositivos de segurança que são vendidos. O preço de um dispositivo desse é irrisório perto das consequências.

A senhora pretende conversar com o Rodrigo Maia nesta semana?

Pretendo sim, e alguns líderes de partidos já me procuraram pedindo para que eu pegue a relatoria. Se dependesse só de mim, eu pegaria sim a relatoria do projeto. Mas depende do presidente da Casa e da articulação dos próprios partidos. Até pedi aos líderes que sugerissem o meu nome. Estou pronta e lutaríamos para apresentar um projeto de lei à Casa que possa ser feito.

Com as mudanças nos pontos que a senhora já citou?

Sim, tem coisas que sabemos que não dá para a gente aceitar. Tem pontos em que vamos lutar até o fim e não vamos desistir dessa briga árdua, porque são vidas.

O que mudou na sua trajetória pessoal e política desde a tragédia com o seu filho?

Mudou tudo. Eu era uma empresária, tinha uma empresa de confeitaria, grande e conhecida no estado do Paraná. Trabalhei 30 anos nessa empresa, graças a Deus era bem sucedida e em uma madrugada fui acordada por dois agentes federais que traziam a informação da morte do meu filho. Na hora eu não entendi muito bem, até achei que fosse um assalto. Corri para falar com a polícia e me transferiram para o Corpo de Bombeiros, e tive a certeza de que tinha acontecido uma coisa séria. No IML, não deixaram meu esposo reconhecer o corpo. Pediram para que ele não entrasse, porque falaram que nunca tinham visto nada igual e que ele não dormiria mais na vida. Depois, eu recebi no cemitério um caixão lacrado, caramelo com alças prateadas. E foi muito difícil.

Para toda mãe, toda família que perde filhos dessa maneira muito bruta, muito violenta, a reestruturação familiar é muito complicada depois. Porque normalmente a gente não quer fazer mais nada da vida. Normalmente as famílias se desmancham. Não aceitei tomar medicação porque eu tinha medo de ficar dependente. Com o tempo eu compreendi… no dia que eu o enterrei, eu disse para ele que eu não ia enterrá-lo, ia plantá-lo. Criei uma ONG. Já dei quase 3 mil palestras, na ânsia de tentar diminuir essas mortes no trânsito.

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