Morte de Lampião completa 83 anos com missa virtual e divergência entre heroísmo ou vilania do cangaceiro

Oito décadas após sua morte, Virgulino Ferreira ainda desperta curiosidade, medo e fascínio

Morte de Lampião completa 83 anos com missa virtual e divergência entre heroísmo ou vilania do cangaceiro

Foto: Wikimedia Commons

Apenas 10 minutos do dia 28 de julho foram suficientes para findar a trajetória de uma das figuras históricas mais celebradas e controversas do país. Se o tempo da ação foi extremamente curto, a data e o local da execução de Virgulino Ferreira da Silva — “o Lampião” — tornaram-se perpétuos.

Na grota da fazenda Angicos, pertencente ao município de Poço Redondo, no interior de Sergipe, o cangaceiro foi abatido por tiros de metralhadoras portáteis, disparados por uma expedição sob comando do incansável tenente ao seu encalço, João Bezerra, oficial das Alagoas.

Maria Bonita, primeira-dama do cangaço, também sucumbiu na tocaia armada. Ao todo, 11 foram dizimados no primeiro alvorecer daquela manhã, em 1938. Passados 83 anos, as circunstâncias e o local da derrocada continuam sendo estudados por Lampiológos (pesquisadores do tema), enquanto Lampiófilos (adoradores de Virgulino) cultuam o espaço quase como um santo sepulcro.

Por conta da pandemia, pelo segundo ano consecutivo, a tradicional missa na data da morte acontecerá apenas de forma virtual. O evento é organizado há 24 anos por Vera Ferreira, jornalista, neta de Lampião e Maria Bonita, e pelo Museu da Gente Sergipana, de financiamento público.

Estudioso do tema, o escritor baiano Oleone Coelho Fontes, autor do livro “Lampião na Bahia” (na 11ª edição), mantém uma posição crítica em relação ao seu objeto de pesquisa. “Lampião era um facínora. Durante todo tempo que esteve no cangaço, Lampião não teve um ato de solidariedade, humanidade ou benfeitoria. Essa história que era um Robin Hood, que roubava dos ricos para dar aos pobres, é a mais pura mentira. Era exatamente o contrário. Ele roubava dos pobres, agricultores, pequenos fazendeiros e trabalhadores, para dar justamente coronéis”, defende.

O escritor sergipano José Bezerra, autor de “Lampião, Raposa da Caatinga”, obra de mais de 700 páginas, vincula a vida do cangaceiro ao período histórico ao qual ele está inserido. “A violência era crônica nos sertões do Nordeste. Vigorava ali uma espécie de culto à coragem. A justiça daquele tempo era cara, lenta e rara. Os juízes e promotores eram figuras decorativas, nas mãos dos coronéis do sertão. Os jurados eram escolhidos a dedo. O Estado era omisso, só aparecia na hora de punir ou para cobrar impostos. Lampião é definido simplesmente como um fora da lei. Mas, afinal, onde estava a lei? O povo do sertão não conhecia a Justiça. A violência era crônica nos sertões do Nordeste”, pondera.

Destaque internacional

Os acontecimentos daquele 28 de julho, no sertão sergipano, repercutiram com enorme destaque até em publicações estrangeiras. A revista americana Time, em 15 de outubro de 1938, noticiou a morte do cangaceiro, chamando-o de “Lamp Post”. O mesmo aconteceu com o The New York Times, tratando-o como “um dos mais temíveis bandidos do mundo ocidental”. Periódicos da França e Argentina também dedicaram páginas ao assassinato de Lampião e seu bando.

“Lampião viveu no mundo dos coronéis, jagunços, vaqueiros, tropeiros, curandeiros, beatos milagreiros, fanáticos, cantadores, repentistas, secas e epidemias. Virgulino Ferreira não foi nem herói nem bandido, foi simplesmente um sertanejo à moda do seu tempo, um tempo brabo em que o sujeito para ser respeitado tinha de mostrar que era cabra macho, e para isso era preciso honrar cada palavra que dizia, fosse para o bem, fosse para o mal”, diz José Bezerra.

Por 31 anos, as cabeças de Lampião, Maria Bonita e dos nove cangaceiros mortos na emboscada em Angicos, estiveram na Bahia. A maior parte do tempo no Instituto Nina Rodrigues, na Avenida Centenário, em Salvador. Mesmo diante de tamanha prova material, no entanto, muita gente até hoje sustenta a tese que Lampião não morreu naquele ataque coordenado por João Bezerra. A cabeça decapitada como troféu pertenceria a um sósia, em um drible coordenado pelo astuto cangaceiro. Em Buritis, interior de Minas Gerias, um ancião garantia ser o próprio homem. “Eu sou o verdadeiro Lampião. Homem nenhum conseguiu matar Lampião, e só Deus será capaz de me matar”, dizia.

Morreu em 1993, aos 96 anos, idade exata que Virgulino teria se vivo fosse. “É impossível Lampião ter morrido em Minas Gerais, com tantas testemunhas do fato do 28 de julho de 1938 e algo tão gigantesco passar despercebido? E a cabeça? Ela ficou tanto tempo em exposição e todos concordam que era de Lampião. No mais, o tal “Lampião de Buritis” não tinha leucoma no olho direito, só isso já derruba a tese de muitos que desconhecem nosso Cangaço e adoram inventar histórias. É uma polêmica que não vale a pena debater”, diz Robério Santos, pesquisador do tema e dono do canal no YouTube O Cangaço na Literatura.

Fonte: Metro 1

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