Filha de 6 anos também é vítima em processo que investiga padrasto de Eva Luana
Ex-assessor técnico da Secretaria Municipal de Habitação de Camaçari, Thiago Oliveira Alves, 37 anos, vai responder na Justiça por cerca de dez crimes cometidos contra a esposa, a própria filha – uma criança de seis anos – e a enteada, a estudante de Direito Eva Luana da Silva, 21, – que relatou, nas redes sociais, os quase oito anos de tortura que viveu à mercê do padrasto. As três vítimas estão sob proteção da Justiça.
Thiago está preso preventivamente no Centro de Observação Penal (COP), no Complexo Penitenciário de Mata Escura, em Salvador, desde a quarta-feira (20). Ele foi indiciado pela Polícia Civil por estupro de vulnerável, tortura e violência, mas, segundo o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA), o processo conta com uma lista ainda maior. O assessor nega todos os crimes.
Em entrevista coletiva realizada na tarde desta sexta-feira (22), na sede do MP-BA, no Centro Administrativo da Bahia (CAB), as promotoras de Justiça Márcia Teixeira, coordenadora do Centro de Apoio aos Direitos Humanos do órgão, e Anna Karina Senna, substituta na 10ª Promotoria de Justiça de Camaçari, reiteraram que o processo continua a correr em segredo de Justiça.
Thiago está preso em Salvador; ele nega crimes (Foto: Reprodução) |
Os cinco abortos relatados pela jovem, no entanto, não estão na ação penal já proposta pelo MP-BA. Isso porque, de acordo com Karina, por se tratar de um “crime contra a vida”, será julgado pela Vara do Júri, que já está acompanhando as investigações da Polícia Civil, onde um novo inquérito foi aberto.
“Os crimes contra a vida precisariam de uma apuração maior. Pela gravidade dos fatos, para garantir a prisão, o MP-BA entendeu por separar os processos, para que se pudesse buscar uma justiça mais célere. Eu remeti a um colega, que remeteu à delegacia, que vai apurar os abortos. O promotor vai analisar se é o caso de pedir diligências”, afirmou Anna.
Cerca de dez crimes
Anna Karina, que protocolou ação penal e é uma das seis promotoras que acompanham o processo, disse que não poderia revelar a tipificação dos atos cometidos por Thiago. Ela lembrou, no entanto, alguns dos crimes já explícitos nos relatos de Eva nas redes sociais.
Embora a polícia tenha indiciado o ex-assessor por três crimes, ao conversar pessoalmente com Eva, Karina afirmou que foi possível identificar outros.
“Abuso sexual, ameaça, tortura, lesão corporal, são muitos os crimes, todos de grande gravidade. Não podemos revelar detalhes por determinação da Justiça, principalmente pela criança. Eva foi vítima de pelo menos seis crimes, a mãe, outros três, e contra a irmã da jovem, que também está como vítima no processo”, afirmou a promotora.
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Segredo de Justiça
A determinação de que o processo correria em segredo foi uma decisão do titular da Vara da Justiça Pela Paz em Casa de Camaçari [antiga Vara da Violência Doméstica e Familiar], juiz Ricardo José Vieira de Santana, que, segundo o MP-BA considerou especialmente o fato dos crimes envolverem uma criança e, ainda, devido à “natureza dos fatos”.
A advogada de Eva Luana, Maria Cristina Carneiro, havia informado ao CORREIO que o sigilo foi quebrado quando a estudante denunciou as acusações na internet, tornando-as públicas. Segundo a promotora Anna Karina, no entanto, não há cancelamento do sigilo previamente determinado.
“Eva é uma das vítimas e decidiu expor. É louvável a atitude dela, porque ela deu voz a muitas outras vítimas que podem se sentir mais seguras para procurar ajuda e denunciar seus agressores. Esse fato, no entanto, não muda o sigilo. Embora ela tenha feito o relato, o MP-BA e as outras partes não podem falar sobre o processo”, destacou Karina.
As promotoras de Justiça Márcia Teixeira (à esquerda) e Anna Karina falaram com a imprensa nesta sexta-feira (22) |
A promotoria
Em nota enviada à imprensa na quinta-feira (21), o MP-BA afirmou que, além de Anna Karina Senna, outras cinco promotoras foram designadas para atuarem na análise do inquérito que apura o caso.
Anna explicou que o fato de o órgão ter atribuído os crimes cometidos por Thiago ao acompanhamento de seis promotoras não configura uma força-tarefa. Segundo ela, ao ler o inquérito, pela natureza e quantidade dos fatos narrados, pediu ajuda a promotoras de outras cinco comarcas.
“Pela sua prática, um promotor de Justiça pode solicitar auxílio a colegas. Eu pedi a cinco promotoras, de comarcas diferentes, que me auxiliassem na revisão da ação penal. Eles me auxiliaram, mas é algo que fazemos normalmente, em qualquer caso de violência doméstica”.
Além de Anna, a promotora Mirela Brito também foi citada como uma das responsáveis pela ação penal. “O que aconteceu é que o rosário de crimes aos quais ela foi vítima fez com que separássemos os processos”, completou.
Para a coordenadora do Centro de Apoio aos Direitos Humanos do MP-BA, Márcia Teixeira, a história de Eva ganhou repercussão grande pela quantidade de crimes praticados por Thiago.
“Muitos crimes, três vítimas. Convidamos colegas para trabalhar conosco nas ações que são mais sensíveis e tem muitos elementos, fatos que precisam ser revisados. São muitos crimes continuados, desde que ela tinha apenas 12 anos. Contra ela, a mãe e a irmã de seis anos”, comentou Márcia.
Prisão
Para as promotoras, devido à segurança das vítimas, Thiago, que ainda não tem advogado instituído, deve continuar preso até o final do processo. Natural de São Paulo, ele foi denunciado por Eva no dia 31 de janeiro, em queixa registrada na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Camaçari.
A prefeitura do município informou que o ex-servidor foi exonerado no mesmo dia. No dia 11, após receber o inquérito, o juiz decretou a prisão do assessor, detido dois dias depois.
De acordo com o MP-BA, o acusado tem até este sábado (23), para apresentar a defesa. Caso não se manifeste, explicou Anna Karina, o juiz decreta que um defensor público assuma a defesa do acusado. Além dos depoimento das vítimas, a polícia cumpriu um mandado de busca e apreensão na casa da família.
O material, de acordo com o MP-BA, foi encaminhado à perícia e vai ser, posteriormente, anexado ao processo. Ainda segundo a pasta, outras diligências podem ser requeridas pela promotoria.
“Todo réu tem direito de fazer sua defesa. O andamento natural do processo é que seja marcada a audiência de instrução, onde serão ouvidas as vítimas, as testemunhas de acusação, e de defesa, se existir. Há, ainda, o interrogatório do réu”, disse Anna Karina, que não quis opinar sobre a estimativa da pena do ex-assessor, em caso de condenação.