Novas tecnologias, reflexões para os trabalhadores e o movimento sindical
por:Augusto Vasconcelos*
O domínio da robótica e da inteligência artificial caracterizam o que se convencionou denominar de “Quarta Revolução Industrial”. Alguns autores e até mesmo o Banco Mundial estimam que milhares de empregos serão dizimados em uma década. Profissões estariam ameaçadas, inclusive algumas que demandam maior complexidade técnica.
Embora o termo “desemprego tecnológico” seja questionável, o fato é que o processo de trabalho está passando por transformações. A chamada “economia colaborativa”, na prática em muitos momentos tem desenvolvido a “uberização” das relações de trabalho, possibilitada pelas plataformas digitais. Apesar do fascínio exercido por estas tecnologias, a marca da exploração própria do sistema capitalista se intensifica. Trabalhadores com jornada de trabalho cada vez maiores, remunerações cada vez menores e uma série de direitos suprimidos como férias, décimo terceiro, FGTS, assistência médica, são substituídos por uma falsa idéia de que estas pessoas seriam associadas em uma colaboração de interesses.
Mas, ao contrário, o que se percebe é que estes trabalhadores estão cada vez mais subordinados a interesses de quem acumula capital. No Uber, por exemplo, em cada corrida o motorista é submetido a uma avaliação, lhe exigindo um nível de excelência na prestação do serviço. Enquanto isso, assume sozinho os custos de manutenção do automóvel, combustível e eventuais riscos de acidente. Para os donos da plataforma, excelente! Ou seja, há uma real subordinação, apesar do eufemismo da palavra “colaborador”.
A aprovação da Reforma Trabalhista se relaciona com essa ideia de desregulamentação das relações de trabalho. Afirmações como “trabalhador tem que optar entre direitos ou emprego”, inclusive proferidas por Bolsonaro, revelam que há uma clara estratégia de convencimento da opinião pública para aceitar a redução da sua proteção social.
A introdução de novas formas de competição entre trabalhadores, intensificada com prêmios e remunerações variáveis, contribuem ainda mais para o esgarçamento dos laços de solidariedade, dificultando a atuação dos sindicatos. As novas tecnologias, ao contrário do que propagam de maior liberdade e colaboração, em grande medida intensificam o controle e a disciplina da força de trabalho. O que se percebe é mais controle, mais pressão e mais assédio sobre os trabalhadores!
Óbvio que não podemos adotar uma estratégia de negação dos avanços tecnológicos, mas temos que assegurar que os aumentos de produtividade, com ganhos de escala e maior eficiência sejam repartidos com a sociedade. Por que não se reduz a jornada de trabalho e aumenta o tempo do trabalhador dedicado à sua saúde e a fruição da vida? O que se verifica, no entanto, é o aumento da concentração de renda ao tempo em que se aprofunda a miséria e o número de famílias no mundo que não tem o que comer.
Caminhamos para um cenário ultra tecnológico para poucos, convivendo com uma legião de desconectados com baixas oportunidades. Porque o cerne é o sistema capitalista e quem se apropria dos ganhos de riqueza produzidos coletivamente. Essa é a chave para um questionamento lúcido sobre a atual realidade.
Parte importante das tecnologias que se utilizam no mundo foi desenvolvida com forte participação do Estado. Exemplo disso são o GPS, o touchscreen e a própria internet, desenvolvida inclusive por militares.
Neste cenário, o Brasil está destruindo sua capacidade de inovação. Em um intenso processo de desnacionalização da economia, com uma forte desindustrialização, estamos desarmados para competir na fronteira tecnológica. Não deveria nos interessar o papel subalterno que ocupamos na divisão internacional do trabalho, como mero coadjuvante, exportador de commodities e importador de tecnologias de outros países.
A visão neocolonialista que predomina no atual governo Bolsonaro pode aprofundar nossa dependência e dificultar ainda mais uma estratégia de desenvolvimento nacional. Nichos de alta tecnologia brasileira, como a Embraer e a Petrobras são alvos da cobiça internacional e percebe-se claramente as intenções de desmantelamento que estão em curso. Podemos regredir décadas se essa marcha não for interrompida.
Diante desse cenário novos desafios são colocados para o movimento sindical. Precisamos atualizar nossa interatividade com os trabalhadores, grande parte inclusive que não se identifica enquanto classe e não se sente representada pelos sindicatos.
Há um questionamento latente na sociedade sobre as organizações coletivas. Diversos fatores contribuem para isso, mas não podemos subestimar o impacto que isso provoca no imaginário das pessoas.
A maior parte da história do país foi marcada pela escravidão, que produz reflexos inclusive no valor social do trabalho. Muitas vezes considerado como algo depreciativo e para pessoas de menor qualificação, a expressão “trabalhadores”, de maneira sutil, foi dando espaço para “colaboradores”, “empreendedores”, em uma estratégia de esconder o grau de exploração intrínseco aos padrões de acumulação capitalista.
Assim, ao passo em que devemos desmascarar essas ideias, cabe ao movimento sindical construir novas linguagens para apresentar as suas próprias. As redes sociais não apenas representam uma nova ferramenta de comunicação, mas elas alteraram profundamente a percepção das pessoas.
Estamos em uma arena pública permanente, onde cada um passa a ser produtor de conteúdo. O potencial disso é enorme, mas ainda subutilizado por grande parte das entidades sindicais. Muitos sindicatos ainda sequer possuem páginas nas principais redes, como facebook, instagram e twitter, além de não se comunicarem adequadamente através do whatsapp. Cabe uma reflexão coletiva a respeito.
Não há fórmulas prontas, mas os movimentos nos últimos anos que eclodiram no mundo e, inclusive no Brasil em 2013, revelam o poder das redes sociais como catalisadora de insatisfações legítimas das pessoas. Por outro lado, deixaram claro que a manipulação de algoritmos, a operação de robots, o uso das fake News pode ter um poder autodestrutivo das democracias.
Merece também nossa reflexão pensar sobre como organizar os trabalhadores tidos como autônomos, os desempregados e os que já nem estão mais em busca de emprego, em razão da falta de perspectiva.
Nosso movimento foi talhado para a disputa das meta-narrativas, projetos de país, desenvolvimento, socialismo, estratégias da Nação. Em tempos de fragmentação dos discursos, onde a rolagem do feed de notícias pode estar desatualizada em instantes, é ainda mais complexo organizar entidades com programas permanentes e de largo alcance.
Saber identificar os problemas específicos da categoria, associando-os com a disputa de projetos para o país é a marca dos classistas no movimento sindical. Mas devemos avaliar se estamos conseguindo desempenhar bem essa tarefa e se conseguimos demonstrar isso à sociedade.
* Augusto Vasconcelos é presidente do Sindicato dos Bancários da Bahia, Advogado, Professor universitário. Especialista em Direito do Estado (UFBA), Mestre em Políticas Sociais e Cidadania (UCSAL)