Sergipe: um Estado adormecido à beira dos 200 anos
►Bicentenário de Emancipação Política do Estado é esperança de florescer um pouco mais entre a população o “orgulho de ser sergipano”
Se for feita uma enquete entre uma parcela de sergipanos, perguntando-lhe por qual motivo nesta segunda-feira, 8 de julho, é feriado, boa parte não saberá responder.
Trata-se do feriado de Emancipação Política de Sergipe – o dia em que oficialmente o Estado se tornou independente da Bahia, após o rei D. João VI assinar a carta régia no ano de 1820.
Com certeza, uma data marcante para quaisquer Estados, pois nada mais é que um símbolo da liberdade, da independência, da autonomia administrativa e financeira. Mas que, infelizmente, ainda passa para lá de despercebida entre os sergipanos, mesmo após quase 199 anos, na eminência do bicentenário – em 365 dias chega-se a ele.
Nesta segunda-feira, 8, o governador do Estado, Belivaldo Chagas, vai a São Cristóvão, antiga capital, assinar documento instituindo uma comissão que vai preparar os festejos dos 200 anos.
Na visão do pesquisador Luiz Fernando Soutello, o próprio Estado demonstra falta de interesse em celebrar o 8 de julho
HISTÓRIA DESCONHECIDA
“A história de Sergipe é pouco conhecida. Todos os esforços feitos para tornar obrigatória a sua presença nos currículos escolares não lograram êxito. Há material para estudo, temos um belo e inspirador patrimônio cultural, instituições de memória, como o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, mas há pouco apoio para as iniciativas neste sentido”, afirma a historiadora Terezinha Oliva.
Professora emérita da Universidade Federal de Sergipe – UFS – e oradora do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, Terezinha OIiva explica o contexto histórico que levou Sergipe se tornar independente.
“A Emancipação Política de Sergipe ocorreu no contexto das reformas empreendidas por Dom João VI, o Rei de Portugal, que, tendo transferido a corte para o Brasil em 1808, passou a tomar várias medidas com o fim de racionalizar a administração e tornar a então colônia compatível com a presença da corte em seu território”, explica Terezinha.
INDEPENDÊNCIA
Contudo, segundo a historiadora, a Emancipação Política foi o resultado de um processo iniciado muito anos antes. “Os habitantes da Capitania de Sergipe, ciosos do crescimento da sua economia, começaram a reagir contra a subordinação à Bahia. Comerciantes, moradores das áreas urbanas, principalmente, desejavam a emancipação”, informa.
Terezinha Oliva relata que a repressão de Sergipe à Revolução Pernambucana de 1817 deu ao Estado a oportunidade de ser tornar independente, assim como Alagoas foi separada de Pernambuco.
“A Carta Régia de 8 de julho de 1820, finalmente, separou Sergipe da Bahia. A letra do Hino Sergipano comemora essa data como “o dia brilhante”, porque ela representou o nascimento de Sergipe como unidade política, capaz de ter governo, de gerir seu território e ter o controle sobre suas rendas: esta é a importância da Emancipação”, destaca a historiadora.
8 DE JULHO VS 24 DE OUTUBRO
Mesmo diante de tamanha importância, por que a Emancipação Política de Sergipe sempre cai no esquecimento entre os sergipanos? Para alguns estudiosos, o fato de por muitos anos existirem duas datas para a mesma comemoração – 8 de julho e 24 de outubro – contribuiu para isso.
“A festa popular pela Emancipação tradicionalmente ocorria no 24 de outubro. Essa data era marcada também por comemorações cívicas, as posses de autoridades, as mudanças de Governo. Acho que isso dava sentido concreto à festa, a sensação de mudança, a celebração política”, informa Terezinha Oliva.
Segundo o pesquisador de História Econômica, o professor Luiz Fernando Soutello, desde 1836 os sergipanos comemoraram, como data da sua emancipação política, o dia 24 de outubro, sem que se tivesse conhecimento por quais as razões.
ALTERAÇÃO DA ALESE
Contudo, segundo Soutello, ao longo do tempo, verificou-se que não havia nenhum sentido histórico de se lembrar a emancipação no dia 24 de outubro, visto que assinatura da carta régia de liberdade se deu no dia 8 de julho.
No ano 2000, a Assembleia Legislativa de Sergipe – Alese – alterou o artigo 47 da Constituição Estadual em que era estabelecido que a Emancipação Política do Estado fosse celebrada duas vezes ao ano. Por meio de emenda, suprimiu-se o feriado de outubro, consagrando o 8 de julho como a data oficial.
Mas, de acordo com Terezinha Oliva, quando se parou de celebrar o dia 24 de outubro, a data perdeu muito da sua força aglutinadora, a festa de emancipação popular perdeu apoios e foi deixando de acontecer. Daí o esquecimento dos sergipanos atualmente.
Cantora Amorosa tem fé que o “orgulho de ser sergipano”, um gingante adormecido, acordará
OMISSÃO DAS AUTORIDADES
“O 8 de julho ficou apenas como uma data histórica sem a devida repercussão nas escolas, sem comemoração oficial, sem apelo popular. Toda a força que a Emancipação teve para as gerações mais antigas, deixou de ser cultivada, perdendo-se paulatinamente a sua memória”, afirma Terezinha Oliva.
Para o professor Soutello, a omissão das autoridades com relação ao 8 de julho, ao longo do tempo, no sentido de lembrar a data, desenvolver estudos, bem como a indefinição de qual a data – 8 de julho ou 24 de outubro – que significava a independência do Estado, foi crucial para esse desinteresse dos sergipanos.
“Papel importante na definição da data maior de Sergipe cabe à professora Maria Thétis Nunes, com os inúmeros artigos que escreveu na imprensa e dos livros que editou. Isso despertou nos sergipanos um reflorescimento das comemorações, ainda que eu pessoalmente as classifique muito tímidas”, afirma Soutello.
HINO IGNORADO
Na visão da historiadora Terezinha Oliva e do pesquisador Luiz Fernando Soutello, mais que a população em si, o próprio Estado demonstra falta de interesse em celebrar o 8 de julho.
“Acho que o próprio Estado se desinteressou dessa comemoração e hoje, até o hino sergipano, que reforça a importância daquele “dia brilhante” que os patrícios sergipanos são convidados a festejar, é contestado, além de pouco conhecido”, afirma Terezinha Oliva.
“O desinteresse é patente entre nós”, frisa Soutello. “Pergunto: “como vamos comemorar neste ano o dia 8 de julho? Um evento promovido pelo Governo do Estado em São Cristóvão e uma sessão do IHGSE – Instituto Histórico. Eu considero muito pouco”, afirma o pesquisador.
BAIXA AUTOESTIMA
A pouca lembrança com relação ao 8 de julho é, com certeza, um dos principais fatores que geram o sentimento de pouco pertencimento, de baixa autoestima, notório entre os sergipanos, se comparado a outros Estados, a exemplo da Bahia, dos baianos, que tão têm orgulho de sua terra.
“Se nós não lembramos essas datas importantes, se não cultuamos os nossos símbolos, se não voltamos ao estudo da vida e da obra dos nossos cotidianos, que balizaram a nossa evolução histórica, econômica, social e cultural, chegaremos a uma baixa autoestima”, aponta o professor Soutello.
“Como não se ama o que não se conhece, é evidente que esse desconhecimento tem relação com a baixa autoestima do sergipano”, afirma Terezinha Oliva.
Para o jornalista e poeta Amaral Cavalcante, os currículos escolares da rede pública e privada não privilegiam a emancipação
“ORGULHO DE SER SERGIPANO”
Para a cantora Antônia Amorosa – que se intitula em suas redes sociais como Amorosa Sergipana e sempre demonstrou orgulho de ser sergipana e exportar a cultura daqui para todos os cantos -, a expressiva maioria do sergipano desconhece a importância da emancipação devido à falta uma ação pública que atraia o povo, estimule as pessoas ao entendimento sobre o marco histórico.
“A ausência de valorização ao que é nosso também contribui. Acredito que Sergipe só despertará sua autoestima quando acontecer algum fato que gere impacto e desperte a todos, tirando-os desta indiferença constrangedora”, afirma Amorosa.
“Não sei quando isto irá ocorrer, mas tenho fé que este dia há de chegar, para que o orgulho de ser sergipano, esse gigante adormecido, levante do sono profundo e reconheça sua força, valor e importância”, diz a cantora.
AULAS DE HISTÓRIA
Se a emancipação de Sergipe não é tratada com o seu devido valor, por exemplo, no âmbito escolar – ambiente que tem um papel imprescindível na formação do cidadão -, com certeza, contribui com a baixa autoestima. Como valorizar, se orgulhar de algo que não se conhece?
Segundo a Secretaria de Educação, do Esporte e da Cultura – Seduc -, por meio da Assessoria de Comunicação, consta no currículo escolar da rede estadual material sobre a história de Sergipe.
“Esta semana, os alunos dos centros de excelência, Maria Ivanda de Carvalho, Dom Luciano e João Costa aprenderam mais sobre o 8 de julho, Independência de Sergipe, em aula-palestra no Arquivo Público de Sergipe”, informou a assessora de Comunicação da Seduc, Gleice Queiroz.
CURRÍCULO ESCOLAR
A Assessoria da Secretaria de Educação informa também que, para celebrar a Emancipação Política, o Arquivo Público do Estado realizará uma programação especial em parcerias com as escolas da rede estadual durante o mês de julho.
Contudo, para o membro da Academia Sergipana de Letras e editor da Revista Cumbuca – referência cultural no Estado, abordando sempre a diversidade sergipana -, o jornalista e poeta Amaral Cavalcante, os currículos escolares da rede pública e privada não privilegiam a emancipação – uma data tão cara para a sergipanidade.
“Nos currículos não são introduzidos história de Sergipe. Elas (datas como Emancipação Política) deviam ser mais estudadas e comemoradas, não somente no âmbito escolar, mas pela própria sociedade”, afirma Amaral Cavalcante.
Para Irineu Fontes, ex-secretário de Estado da Cultura, é necessário refletir mais seriamente sobre a identidade do povo sergipano
FALTA DE PUBLICAÇÕES
Na opinião do jornalista, outro fator que corrobora para esse esquecimento da população é a falta de publicações sobre a emancipação. “A história de Sergipe que a gente usa ainda é antiga. Os novos historiadores não publicam muito. Podem até produzir, mas não publicam”, diz.
“É preciso que os historiadores, pensadores, filósofos cheguem com seus trabalhos, pesquisas para serem publicados, principalmente sobre a vida e o jeito de ser do sergipano, para que o sergipano tenha conhecimento de sua história”, ressalta Amaral.
“A Bahia mesmo tem muita literatura desse tipo e nós temos pouca. Temos escritores do começo do século XIX, XX escrevendo sobre Sergipe, como Cabral Machado e outros vários e vários, mas, atualmente, não temos núcleo de pensadores publicando sobre a história de Sergipe”, afirma Amaral.
Segundo o jornalista, por falta de incentivo é que não existe publicação. “Hoje não se pode dizer que em Sergipe há uma dificuldade grande de se publicar livro, porque a Edise (Editora Oficial do Governo do Estado) publica livros de diversos aspectos”, informa.
►Bicentenário: hora de reverter a apatia do sergipano
Próximo ano Sergipe completa 200 anos de independência. Aniversários assim têm densidade, principalmente, porque sugerem um balanço, uma reflexão, conforme lembra a historiadora Terezinha Oliva.
“Qual o papel desempenhado pelo Estado em Sergipe? Que setores da população estão, de fato, nele representados? Que tipo de sociedade foi, aqui, construída?”, questiona Terezinha Oliva. “Não se pode fugir dessa ampla reflexão para entender o peso de ter 200 anos de caminhada independente”, frisa a historiadora.
Terezinha lembra que são 200 anos de trajetória do poder político constituído em Sergipe, o que permite afirmar que os sergipanos construíram uma história própria e uma personalidade que se distingue entre os brasileiros.
MOMENTO DE REFLEXÃO
Então, diante de uma visível quadro de baixa autoestima, não seria o momento de repensar ações para fortalecer o sentimento de ser sergipano, logo agora na eminência dos 200 anos de Sergipe?
“A emancipação deveria ser considerada, sobretudo, um momento para a reflexão. “A liberdade é um processo. Deveríamos nos reunir para avaliar o que já conseguimos e o que podemos conseguir, enfrentar, enfim, nossa realidade”, é o que já dizia Luiz Antônio Barreto”, afirma o ex-secretário de Estado da Cultura, Irineu Fontes, atual membro do Conselho Estadual de Cultura.
Para Irineu, é necessário refletir mais seriamente sobre a identidade do povo sergipano e consolidá-la. “Já são quase 200 anos. Somos um estado rico culturalmente e insistimos ainda em reverenciar a cultura alheia. Precisamos aprender a ser elogiados e acreditar que somos importantes”, ressalta.
Para Conceição Vieira, presidente Funcap, o foco é resgatar a sergipanidade entre os sergipanos
CELEBRAÇÕES DOS 199 ANOS
Diretora-presidente da Fundação de Cultura e Arte Aperipê de Sergipe – Funcap -, órgão resultante da fusão entre a Secretaria de Estado da Cultura e a Fundação Aperipê, Conceição Vieira sabe da necessidade de somar forças para reverter essa pouco sentimento do sergipano com relação à Emancipação Política e ao “ser sergipano”.
Ao ser questionada se os 200 anos de Sergipe será lembrado pelo sergipano, Conceição afirma que: “essa é a esperança. Por isso, queremos fazer uma coisa forte, começando desde agora, fazendo contagem todos os dias do bicentenário”.
Tendo como palco o Museu Histórico de Sergipe, em São Cristóvão, a solenidade festiva preparada pelo Governo do Estado para celebrar os 199 anos, nesta segunda-feira, 8, a partir das 16h, será marcada por apresentações grupos folclóricos, de artistas sergipanos e da Orquestra Sinfônica de Sergipe e Coro da UFS.
COMISSÃO DO BICENTENÁRIO
Além do mais, na solenidade, será assinado o decreto constituindo a Comissão Organizadora do Bicentenário de Sergipe, que será composta por representantes de vários segmentos da sociedade sergipana.
De acordo com a presidente da Funcap, a Comissão do Bicentenário será composta por instituições como, Universidade Federal de Sergipe, Iphan, Universidade Tiradentes, Academia Sergipana de Letras, Prefeitura de Aracaju, Prefeitura de São Cristóvão, Vice-Governadoria, Secretaria de Governo, Secretaria de Educação, Cultura e Arte, Secretaria de Segurança e Secretaria de Comunicação.
“Queremos trabalhar essa questão de lembrar o 8 de julho mesmo, por isso, a comissão, para trabalharmos várias frentes, como na educação, nas escolas”, frisa Conceição Vieira.
AÇÕES COMEMORATIVAS
Segundo a presidente, serão instituídas diversas ações comemorativas que culminem na data do bicentenário em 2020. “A ideia é que vá se comemorando ao longo deste tempo.
Teremos lançamentos de livros, de corpo de dança de alunos da escola pública, concurso de música. Já temos várias coisas pensadas”, explica.
“A partir deste dia 8 agora, por exemplo, o sistema Aperipê começará a fazer contagem regressiva todos os dias, informando que faltam X dias para os 200 anos”, informa Conceição Vieira.
Para a presidente, o foco é resgatar a sergipanidade entre os sergipanos. “Vamos parar com essa coisa de só se falar de boca, sem se viver, sem se sentir. Temos que trabalhar mais um pouco essa questão da inteligência emocional, a partir do bem sentir suas emoções por suas origens, historias”, reforça.
Museu Histórico de Sergipe será palco da assinatura do decreto que institui a Comissão Organizadora do Bicentenário de Sergipe