Entrevista com a professora Luiza Souza sobre o Racismo em dias atuais.

Blog Jivanildo Bina: Quem é a Professora Luiza Souza?

Professora Luiza Souza: Sou filha de lavradores, minha mãe é minha referência especial e exemplo de como ser pessoa no mundo. Quando reflito sobre o vídeo “Vida Maria”, percebo que minha mãe é a Maria que
mudou a vida das filhas. Então, tive a oportunidade de estudar, mas não esqueci os
aprendizados da vida da roça, isso é referência do que sou hoje. Sou professora da rede
municipal e estadual, sou uma artista plástica, sou muito eclética em minhas escolhas culturais
e diversidade de gostos e atividades nas que me envolvo, tentando exercer minha autonomia,
mesmo que a sociedade no meu entorno ainda seja marcada por um olhar tradicionalista.

Blog Jivanildo Bina: Professora Luiza Souza: Por que, até hoje, não conseguimos
promover uma maior igualdade para parcelas da população, como negros e mulheres, que
são tão representativos numericamente e, no entanto, têm uma baixa representatividade
como formadores de opinião e tomadores de decisão?

Professora Luiza Souza: Isso vem de todo um processo histórico, não é fácil entender ou
lidar com essa situação no nosso dia a dia. Só sabe, só sente, quem vive, um branco ou um
homem falando sobre esses assuntos, ele está politicamente correto. Eu falando, o olhar de
muitos de algum jeito, expressará algo como: “poxa já vem Luiza com esse MIMIMI”. A pior
parte é quando eu vejo o meu semelhante se conformando com pouco, ou até mesmo alienado
com a reprodução de discursos e imagens, os quais ele cresceu ouvindo e vindo de uma
forma, que o impossibilita de ver na sua própria essência o verdadeiro valor que tem todo ser
humano.
Blog Jivanildo Bina: Professora Luiza Souza, O que falta para haver esse diálogo mais
maduro?

Professora Luiza Souza: Cresci com o empoderamento de minha mãe, em uma família
católica, mas meu pai era machista e minha mãe sofreu muito para criar e educar os filhos,
sofremos com muitas divergências, entre a vida boemia de meu pai na rua e as necessidades
em casa, mesmo com o pouco que dava para sobrevivermos. Desde cedo aprendi a
importância da educação por minha mãe e irmãs, observei as diferenças na minha
comunidade, com o estudo, formadores de opinião, aprendendo com a história oral e fazendo
comparativos com a minha realidade na época. Com o tempo fui aprendendo com grandes
humanos e aprendendo a ler e estudar também, através da literatura, afinal a história é contada
do ponto de vista de quem a escreve. Hoje, com meus alunos quero que eles vejam além, que
eles não reproduzam, mas que façam as suas próprias indagações e reflexões. Sei que nem
todos os alunos irão assimilar a importância desse aprendizado para uma melhor qualidade de
vida na sociedade, mas se alguns aprenderem a ser eles mesmos, a buscar sua essência, a
construir seus próprios caminhos e contribuir para isso, já fiz o meu papel. A alienação é
notória, o interesse de alguns é que continue a reprodução de que somos inferiores.

Blog Jivanildo Bina: Professora Luiza Souza, você acha que essa falta de entendimento
sobre o que é racismo tem a ver com a forma pela qual algumas culturas interpretam a
questão da liberdade?

Professora Luiza Souza: Primeiro tem que ter resposta para algumas perguntas: O que é
liberdade? A liberdade dos humanos escravizados começou com a abolição? A princesa Isabel é uma mártir
porque libertou os negros? Ela foi boazinha e do nada assinou a lei Aurea ou existiram
várias batalhas? Por que depois da abolição foram buscar os italianos para pagarem pelo
trabalho e não pagaram os descendentes de africanos  já que sabiam fazer? Os escravos sem trabalho, sem casa
e sem ter como viver, estavam livres ou continuaram escravos da sociedade? Como a
sociedade pode entender o racismo, preconceito e discriminação, se estamos com muitos anos
de história reproduzindo que o negro é inferior e a mulher negra pior ainda?
Todas essas perguntas são complexas e sei que muita gente nunca parou para pensar nem se
quer nas perguntas, imagina nas respostas. Mas, hoje, eu não me sinto livre embora na minha
cidade seja conhecida e respeitada. Em uma viagem a Curitiba foi notório a discriminação,
muitas pessoas nem respondiam o bom dia, muito menos responder sobre uma informação.
Passo por situações assim, quando estou em lugares desconhecidos, então, não me sinto livre.

Blog Jivanildo Bina: Professora Luiza Souza, Como você vê a questão da origem do
preconceito? Principalmente nessas ações do cotidiano, de onde vem essa intolerância ao
que é diferente? Pode-se dizer que é algo que nasce com a gente? Ou seria uma construção
social?

Professora Luiza Souza: O preconceito é um conceito pré-estabelecido. Quando estou em
uma loja o olhar de atendentes e seguranças, não é um “posso ajudar?”, é um “estou de olho
em você com essa sacola”. Os homens olham como se minha carne fosse fácil e eu estou à
disposição do prazer. Não desejo a ninguém está em um lugar e alguém recolher o material,
com uma convicção que você é ladra. Acredito que o racismo vai além, somos estereotipados,
sei que muitos negros passam necessidades, “a carne mais barata do mercado é a carne
negra”, mas, não tem ladrão só negro. Os negros abandonados após a dita abolição, foram
marginalizados e procuraram formas para sobreviver, foram perseguidos por sua
cultura, sua religião. Desde o Brasil Colônia os negros eram vistos como desprezíveis, afinal
como justificaria escravizar o seu semelhante, essa LÓGICA-PENSAMENTO-VISÃO
MODELO DE ENTENDIMENTO se reproduz até os dias atuais, Nelson Mandela disse:
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou religião. Para
odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a
amar”. Estou e quero continuar a ensinar.

Blog Jivanildo Bina: Professora Luiza Souza, Como podemos combater a discriminação
em suas várias esferas? Seja no sistema educacional, da escola à universidade, seja
dentro das empresas, no momento da contratação e na escala de carreira, no cenário
político e também nas ações do dia a dia?

Professora Luiza Souza: Com o conhecimento, pesquisando a história é que eu conheço o
meu presente e melhoro o meu futuro. Pode parecer utopia, mas, acredito que se eu modificar
a forma de pensar de uma pessoa, esse pensamento será multiplicado, seria a semente do bem. Fortalecendo a consciência de que somos humanos (independentemente de cor, gênero,
dinheiro) apenas de passagem por uma experiência e aprendizado de vida “perene”: cidadãos
do mundo passageiros! Para tentar deixá-lo melhor para nossos filhos e netos. Isso pode
ajudar a entender a relatividade de poderes e egos tão passageiros, muito mais agora que
estamos percebendo como o ‘tempo’ é tão relativo: apenas, construção social do ‘pensamento
moderno’.
Blog Jivanildo Bina: Professora Luiza Souza, Como foi a trajetória do racismo até ele
ser entendido no Brasil como um crime?

Professora Luiza Souza: Sinceramente, até hoje, no Brasil racismo não é crime. Um
trabalhador que morre na favela é traficante, a polícia mata negros todos os dias, uma mulher
é estuprada porque estava usando roupa curta. Se um ato de racismo é denunciado e vai a
julgamento, qual é a pena para esse crime? Se fosse realmente crime, haveria punição severa,
também uma conscientização por parte das autoridades. Por isso, os espaços de educação e
formação, especialmente, das crianças e jovens, têm que ser espaços de fortalecimento da
consciência de direitos e deveres como forma de fortalecer o exercício da nossa essência
humana e cidadania ativa.

Blog Jivanildo Bina: Professora Luiza Souza, você é uma mulher, negra, nasceu em uma
comunidade rural. Mas teve acesso à educação, se formou em professora, entre outras
conquistas. Como a lógica da discriminação se manifestou ao longo da sua trajetória? O
que você fez para subvertê-la e ser essa mulher de sucesso guerreira que?

Professora Luiza Souza: Tenho orgulho da minha história “se chorei ou se sofri o importante
é que emoções eu vivi”… É claro que poderemos seguir sofrendo e chorando, pois somos
amorosa e sensivelmente humanos aprendendo e caminhando nesta passagem! Como filha de
lavradores, meu pai somente assina o nome e minha mãe só estudou até a 4ª série. Meu pai
mesmo analfabeto foi vereador por alguns mandatos, não cabe a mim julgar sua história e o
alcance de seu papel.
Passei e ainda passo por situações diversas que me têm deixado importantes aprendizagens,
trabalhei na roça e me orgulho disso. Talvez seja isso um processo de empoderamento, muitas
coisas aprendi com minha mãe, cresci vendo uma mulher forte e destemida. Lembro um dia
que falei em sala de aula que trabalhei na roça e que graças a meu estudo e determinação
consegui mudar minha história, um aluno me perguntou: “Como se planta mandioca?”
Automaticamente respondi: que não se planta mandioca, se planta a ‘manaíba’. Minha mãe
acreditou em meu potencial, eu luto pelo que eu sonho e acredito. Tenho orgulho de ter
entrado para a Universidade pela cota dos afrodescendentes, sei que essa não é a melhor
solução, mas, já contribuiu muito em uma reparação, isso foi um dos passos para a equidade
racial. Nesse processo a Educação fortalece a autonomia dos sujeitos.
Blog Jivanildo Bina: Professora Luiza Souza, como a discriminação racial afeta de
diferentes formas homens e mulheres?

Professora Luiza Souza: A mulher é vista como o sexo frágil, como o objeto de prazer e
reprodução humana, o homem é visto como marginal, mas todos sofrem na pele e no seu dia a
dia. Não é preto ou negro, só o fato de ter a pele escura já é ser discriminado, a nossa
ancestralidade é sentida na nossa pele.

Blog Jivanildo Bina: Professora Luiza Souza, em sua opinião, qual a melhor forma de
lidar e combater a discriminação racial em nosso município estado e no Brasil?

Professora Luiza Souza: Conhecimento, Leis, Amor, Respeito e Coragem. Não cabe só o dia
da consciência negra, eu quero todos os dias com consciência, respeito e valorização.

Blog Jivanildo Bina: Professora Luiza Souza, em todos esses anos de luta das
autoridades, seguimentos populares tem feito um esforço combatendo o racismo no
mundo. E em nosso município Inhambupe teve algum avanço, o que os governantes no
geral tem feito par essa causa?

Professora Luiza Souza: Já estou cansada de promessas e de discursos, quero atitude. Se
cada ser humano cobrar o direito de todos, se cada um fizer a sua parte, poderemos ver a
mudança, o respeito e o amor. Depende das autoridades, porque eles formulam, legitimam e
fazem cumprir as leis, mas depende de cada um de nós entendermos a importância da vida, do
outro, independente da sua cor, e das suas opções de gênero, religião ou partido político.
Aprender a valorizar a diversidade e perceber que isso nos ajuda a aprender a ser melhores
humanos.
Blog Jivanildo Bina: Professora Luiza Souza, como você vê a situação do nosso
município, estado, Brasil daqui para frente? Acredita que vamos melhorar, teremos
uma sociedade mais equilibrada em termos de diversidade?

Professora Luiza Souza: Sempre acreditei e vou continuar acreditando na melhoria. Gabriel
o Pensador diz: “Afinal, branco no Brasil é difícil, porque no Brasil, somos todos mestiços,
olha a nossa história, os nossos ancestrais, o Brasil Colonial não era igual a Portugal, tinha
índio, branco, amarelo, preto, nascemos da mistura então pra que o preconceito? Barrigas
cresceram e o tempo passou, nasceram os brasileiros cada um da sua cor, um com a pele clara
e outro mais escura, mas todos viemos da mesma mistura. Dê a ignorância um ponto final
faça uma lavagem cerebral”. Depois de finalizar a ignorância e fazer essa lavagem, tenho
certeza que a sociedade respeitará mais a nossa diversidade étnica e cultural.
Blog Jivanildo Bina: Professora Luiza Souza, por favor, sinta-se a vontade para suas
Considerações Finais:

Professora Luiza Souza: Adorei esse espaço para falar, esse é um assunto que não é tão
simples assim. Vemos o discurso da questão racial, mas temos a diversidade geográfica e
temporal. Perdemos tempo discutindo se é preto ou se é negro, mas o quê importa é a
dificuldade passada a cada dia por quem sofre na pele com o racismo, discriminação e
preconceito. Como mulher gosto de minha autonomia de escolher o que eu quero, o que eu sonho, não
segui os padrões, não é porque minha mãe casou, que necessariamente tenho que casar, não é
porque dizem que eu sou inferior que tenho que acreditar. Quando estava na faculdade (2009)
me apaixonei pela história de um Inhambupense que eu nunca ouvi falar em minha cidade, era
notório, por quê falaria de Joaozinho da Gomeia? Um negro, Gay e Pai de Santo. Mas, este
ano (2020) quando Joaozinho da Gomeia foi homenageado pela Grande Rio, foram grandes
postagens de inhambupenses orgulhosos. Aos poucos vamos valorizando nossa essência.
Tenho orgulho de meus ancestrais que lutaram por dias melhores e eu estou continuando essa
luta, com o amor, a paixão e humanidade.

Por:JivanildoBina.com

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