O que é a inteligência artificial hoje?

Indícios científicos mostram que, em diversos casos, a ficção confunde mais do que elucida

Filme Ex-Machina questiona: qual é o poder da inteligência artificial?  (Foto: Divugação)

No filme Matrix, 1999, o hacker Neo descobre que o mundo é mera simulação de computador e que as máquinas inteligentes declararam guerra à humanidade. No filme britânico Ex-Machina, 2015, um funcionário do buscador Bluebook se defronta com robôs com inteligência artificial e tem com eles diálogos assustadores. Em palestra recente em São Paulo, o filósofo francês Edgar Morin, com a lucidez de seus 97 anos, enfatizou que o papel das artes é de sensibilizar e fazer compreender. No caso da inteligência artificial (IA), contudo, a ficção confunde mais do que elucida: não há nenhum indício científico de um futuro com robôs subjugando os humanos.

A IA faz parte da nossa vida cotidiana. Acessamos sistemas inteligentes para programar o itinerário com o Waze, pesquisar no Google e receber da Netflix e do Spotify recomendações de filmes e músicas. A Amazon captura nossas preferências no fluxo de dados que coleta a partir das nossas interações com a plataforma. A Siri da Applee a Alexa da Amazon são assistentes pessoais digitais inteligentes que nos ajudam a localizar informações úteis com acesso por meio de voz.

Os algoritmos de IA medem as interações nas redes sociais, como a seleção do que será publicado no feed de Notícias do Facebook. Eles estão igualmente presentes nos diagnósticos médicos, nos sistemas de vigilância, na prevenção a fraudes, nas análises de crédito, nas contratações de RH, na gestão de investimento, na Indústria 4.0, no atendimento automatizado (os chatbots); bem como nas estratégias de marketing, nas pesquisas, na tradução entre idiomas, no jornalismo automatizado, nos carros autônomos, no comércio físico e virtual, nos canteiros de obras, nas perfurações de petróleo, na previsão de epidemias. Estamos na era da personalização, viabilizada pela extração das informações contidas nos dados que geramos em nossas movimentações online.

 

A maioria dos avanços observados na última década provém do modelo chamado de Deep Learning (aprendizado profundo), área do Machine Learning (aprendizado de máquina, que por sua vez é uma subárea da IA) que consiste em técnicas estatísticas que permitem que as máquinas aprendam com os dados (e não sejam programadas).

Neo, protagonista do filme Matrix, um clássico que traz ao debate o poder da IA (Foto: Divugação)

Na década de 1980, um grupo restrito de pesquisadores – Geoffrey Hinton, Yoshua Bengio e LeCun -, inspirado no funcionamento do cérebro, propôs o caminho das redes neurais para o aprendizado de máquina, obtendo reconhecimento definitivo em 2012 ao vencer a competição ImageNet. Nos anos seguintes, ela tornou-se onipresente, recebendo expressivos investimentos das gigantes de tecnologia que incorporaram a IA em seus modelos de negócio. Cerca de 100 serviços do Google, por exemplo, usam IA.

Deep learning é um modelo estatístico de previsão de cenários futuros e a probabilidade deles se realizarem; a denominação provém da profundidade de suas redes neurais. Correlacionando grandes quantidades de dados, os algoritmos de IA são capazes de estimar com mais assertividade a probabilidade de um tumor ser de um determinado tipo de câncer, ou a probabilidade de uma imagem ser de um cachorro, ou a probabilidade de quando um equipamento necessitará de reposição, ou o candidato apropriado para o perfil de determinada função, ou o tipo de serviço ou produto adequado aos desejos do consumidor.

 

No estágio atual da IA não se trata de ensinar às máquinas a pensar, mas apenas a prever a probabilidade dos eventos ocorrerem por meio de modelos estatísticos e grandes quantidades de dados. Esses sistemas carecem da essência da inteligência humana: capacidade de compreender o significado. Apesar de todos os esforços, houve pouco progresso em prover a IA de senso intuitivo, de capacidade de formar conceitos abstratos e de fazer analogias e generalizações.

Conceitos básicos sobre o mundo — tridimensionalidade, movimentação e permanência dos objetos, gravidade, inércia e rigidez — são aprendidos essencialmente pela observação. Descobrir como incorporar esse aprendizado às máquinas é a chave para o progresso da IA, ou seja, as máquinas serem capazes de aprender como o mundo funciona assistindo um vídeo do YouTube.

*Dora Kaufman é pesquisadora do Atopos ECA/USP, pós-doutoranda do TIDD PUC/SP, pós-doutora na COPPE/UFRJ, doutora em redes digitais pela Escola de Comunicações e Artes da USP, com período na Université Paris-Sorbonne IV, mestre em comunicação e semiótica pela PUC-SP e graduada em economia pela PUC-Rio.

Fonte: Época Negócios

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