Sanfoneira, Irmã Dulce visitava presídios e atendeu até cangaceiro de Lampião

Foto: Divulgação

Enquanto Irmã Dulce dava os seus primeiros passos em seu trabalho social nos anos 1930, cangaceiros aterrorizavam cidades do sertão baiano. Eis que em 1939 cruzaram-se os caminhos da freira que se tornará santa da Igreja Católica e do jovem que entrou para a história como um dos mais sanguinários “cabras” do bando de Lampião: Antônio dos Santos, o Volta Seca. Ele tinha 21 anos, e a freira, 23, quando se encontraram pela primeira vez no presídio Engenho da Conceição, prédio que, nos anos de 1950, ficaria conhecido como a Penitenciária da Coreia. O apelido foi dado pelas condições do presídio, que refletiam o cenário da guerra que assolava o país asiático.

Foi naquela época que, enquanto se dedicava ao Círculo Operário da Bahia, Irmã Dulce decidiu fazer visitas semanais ao presídio para levar conforto espiritual, alimentos e remédios aos detentos.

Ela será canonizada neste domingo (13), em cerimônia chefiada pelo papa Francisco, no Vaticano, após ter dois milagres reconhecidos pela Igreja Católica. Irmã Dulce (1914-1992) será a primeira santa brasileira. “Irmã Dulce caminhava em meio a um hiato social que existia naquela época. Ela atuou em prol das pessoas mais desprotegidas da sociedade”, afirma o jornalista Valber Carvalho, que pesquisa a vida da freira desde 2013 e prepara uma biografia sobre ela.

Para cumprir sua missão de evangelização, a freira ia para a penitenciária com a sua sanfona, instrumento que aprendeu a manejar na juventude, e tocava para os detentos no pátio. “Ela usava o lúdico como instrumento de regeneração. Buscava resgatar a dignidade dos presos com a música”, diz Osvaldo Gouveia, chefe da Assessoria de Memória e Cultura das Obras Sociais Irmã Dulce.

As modinhas aproximaram Irmã Dulce e Volta Seca, que também gostava de música e chegou a gravar um disco com canções ligadas ao cangaço depois de deixar a cadeia. O LP incluía canções como “Mulher Rendeira” e “Acorda Maria Bonita”. Nascido em Sergipe em 1918, Volta Seca passou a integrar o bando de Lampião quando tinha apenas 11 anos. Começou lavando e escovando os cavalos dos cangaceiros e ganhou notoriedade ao fazer parte do grupo que participou da chacina de Queimadas, cidade do norte da Bahia.

O massacre aconteceu às vésperas do Natal de 1929, quando Lampião e 15 de seus homens mataram sete policiais que faziam a guarda da cidade e roubaram 22 contos de réis (algo como R$ 550 mil, em valores estimados). Ao fim do saque, Lampião ordenou que fizessem um baile em sua homenagem.

Volta Seca foi capturado e preso em 1932, aos 15 anos, e levado para Salvador. Já era um cangaceiro famoso e foi recebido por cerca 2.000 pessoas na estação ferroviária de Periperi antes de seguir para a penitenciária. Volta Seca, cangaceiro integrante do bando de Lampião, fotografado em entrevista na penitenciária de Salvador; imagem publicada na revista O Cruzeiro, de 1944

Folha de S.Paulo

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